A chamada psicologia evolutiva às vezes tem destas coisas. Apresentam-nos estudos que não explicam nada. Mas que parecem explicar tudo. Não quer dizer que sejam totalmente inúteis. A sua utilidade, e sobretudo a sua validade, é que é altamente questionável. Vamos lá então.
Há dias chegou à minha caixa de correio electrónico mais um conjunto de artigos do jornal online Evolutionary Psychology. Entre eles, um artigo original intitulado Height, Relationship Satisfaction, and Mate Retention. As conclusões são interessantes. Segundo este estudo, as mulheres preferem os homens altos, uma vez que estes são percepcionados como sendo mais atractivos, mais dominantes e de um estatuto superior em relação aos homens baixos. E diz mais: há maior probabilidade de a mulher cometer infidelidade numa relação com um homem baixo.
Pois.
Elas preferem-nos grandes.
Onde é que eu já ouvi isto uma e outra vez?
Para começar, o que eu acho de fascinante neste estudo é que ele consegue chegar à conclusão de que as mulheres preferem os homens altos sem nunca perguntar às mulheres, uma única mulher sequer, se de facto elas preferem os homens altos, ou seja, o objecto de estudo aqui são os homens.
Por outro lado, os participantes deste estudo apresentam uma média de alturas de 178 cm com um desvio padrão de 8 cm num intervalo que vai dos 155 aos 196 cm. Quando olho para a relação linear e quadrática entre a altura e a satisfação na relação, o que eu vejo é que essa mesma satisfação é máxima, na relação quadrática, no valor de altura que corresponde ao intervalo da média de alturas dos participantes (o que me parece normal). Mas vamos até considerar que há significância estatística. E então? Isso significa que as mulheres irão preferir homens cada vez mais altos? Será que daqui a 200 anos a população inglesa de homens medirá 300 cm? E porque se esqueceram das mulheres? O tamanho delas acaso não tem interesse? Acaso o que elas acham sobre isto será um dado insignificante?
O moçambicano Gabriel Mondlane foi considerado o homem mais alto do mundo. Media 265 cm. Casou-se e teve 3 filhos, pelo que se sabe de alturas “normais”. Quando esteve em Portugal, em 1979, para um daqueles espectáculos do insólito bem ao jeito do período medieval, ao subir as escadas do Coliseu dos Recreios, caiu e magoou-se seriamente numa perna. Em Janeiro de 1990 deu uma enorme queda no jardim da sua casa e fez um grave traumatismo craniano, acabando por morrer. Tinha 45 anos. Neste sentido, não vejo qual a vantagem evolutiva dos homens altos. Além disso, e porque não deixa de ser interessante, nunca ouvi falar de mulheres gigantes. Parece que neste negócio resultam melhor as mulheres barbudas!
OK, o estudo pode até não querer centrar-se nos extremos. Mas então centra-se em quê? Num intervalo de 155-196, tem apenas 41 cm. Com uma média de 178, então tem 23 cm para trás e 18 cm para a frente. Considerando os extremos desvantajoso, então de que homens altos estamos nós a falar. De homens com mais de 170 cm? 178 cm? E até que altura? Ou isso não interessa? Estaremos nós a falar de um intervalo ou de um valor absoluto?
O estudo conclui que «os homens altos dizem estar muito satisfeitos com a sua relação e que não apresentam grandes comportamentos de ciúme». Mas reparem nisto. Os homens altos dizem estar… Ora, uma das grandes fragilidades deste estudo é que introduz um enviesamento ao excluir as mulheres. Contudo, esta fragilidade torna-se numa oportunidade. Porque ao introduzir esse enviesamento, dá-nos a oportunidade de percebermos o ponto de vista dos homens em relação a este assunto. E este ponto de vista, alicerçado numa ideia socialmente generalizada de que o tamanho importa, mostra-nos ao fim e ao cabo um preconceito social. Da mesma forma que paira sobre nós essa ideia de que elas preferem os pénis grandes, a verdade é que grande parte dos homens tem um pénis médio e vai ser precisamente essa grande parte dos homens que vai concretizar uma relação. Caso contrário, teríamos sérios problemas demográficos. Parece-me que é este o caso em relação à altura dos homens. Embora o estudo nos mostre que elas preferem os homens altos, e apesar da dúvida sobre o que entendem os autores por homens altos, grande parte dos homens apresenta uma altura média e vai ser essa grande parte dos homens que vai concretizar uma relação. Neste sentido, é preciso relativizar. E, mais importante, não acreditar em tudo o que se diz ou se escreve. Até mesmo num jornal científico.
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