domingo, 11 de abril de 2010
XXXIII Congresso do PSD
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
NA CAIXA DO CORREIO: Fragmentos (II)
De todas as vezes em que me perdi, e em que me soube perder, para que me pudesse encontrar, de todas essas vezes, demasiadas vezes, o medo do escuro polarizava as minhas pálpebras, e os meus olhos nunca fechavam. De todas essas vezes, demasiadas vezes, procurava apenas um canto bem pequenino e bem distante, onde pudesse ficar a olhar os ângulos rectos e as linhas e as cores e as texturas. Agora, hoje, já, de olhos fechados mas sem medo do escuro, longe dos cantos e a provar matematicamente os ângulos, a inventá-los e a desenhá-los, curvando linhas, experimentando cores, tacteando texturas, a imagem que o meu escuro desenha, que é a imagem que o meu ser deseja, é esse teu tudo ao mesmo tempo. E que bem me soube perder, para te encontrar!
NA CAIXA DO CORREIO: Fragmentos (I)
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
Elas preferem-nos grandes
A chamada psicologia evolutiva às vezes tem destas coisas. Apresentam-nos estudos que não explicam nada. Mas que parecem explicar tudo. Não quer dizer que sejam totalmente inúteis. A sua utilidade, e sobretudo a sua validade, é que é altamente questionável. Vamos lá então.
Onde é que eu já ouvi isto uma e outra vez?
sábado, 10 de outubro de 2009
Tudo o que és ao mesmo tempo
Ao longo dos últimos anos, eu tenho lido muito sobre os múltiplos estudos que se têm produzido sobre o amor. Estudos muito interessantes em termos de desenho experimental, ou então em termos de resultados. Mas não nutro por eles qualquer simpatia. Não me interessa minimamente saber que zonas do cérebro são activadas quando nos apaixonamos, ou que moléculas químicas entram em acção. Quanto menos soubermos mais amamos. Esta demanda por uma explicação detalhada sobre as maneiras de amar irrita-me. Porque o amor não é objectivo, não se mostra com uma forma que pode depois ser fotografada à escala microscópica. Mas a mania persiste. Façam a experiência. Perguntem lá a qualquer casalinho o que um ama no outro. As respostas serão persistentemente vagas. Ou o cabelo, ou o olhar, ou a cor dos olhos, ou os peitos, ou as ancas, ou o rabo, ou porque sim. Não conseguem ir mais fundo. Acaso não existem mil mulheres com o mesmo cabelo, o mesmo olhar, a mesma cor dos olhos, os mesmos peitos (sobretudo na era do silicone), as mesmas ancas ou o mesmo rabo? Fossem estes os atributos e então estaríamos nós em permanente estado de paixão. Seria o nosso fim. Porquê aquela mulher? Porquê aquela e não outra? Porquê especificamente aquela? Porquê só aquela? Bem, muito honestamente não sei. Não faço a mínima ideia porque é que quando a vejo passar fico sem jeito, ou quando pronunciam o nome dela o meu ritmo cardíaco acelera, ou quando penso nela o meu pénis endurece. Podíamos ir pelo caminho da explicação transcendental (na verdade já me mandaram dar uma curva por eu ter a ousadia de ter nascido em Novembro e ser, imaginem só, do signo escorpião. Que patife que eu sou!) mas não chegamos a lado nenhum. Podíamos até invocar Saint-Exupéry e dizer que nos tornamos responsáveis por tudo aquilo que cativamos e que é neste processo que uma flor, entre mil flores, se torna especial. Agrada-me este caminho, sobretudo porque me agrada Saint-Exupéry. Mas também o único sítio onde chegamos é a um deserto a olhar para o céu. Há ainda os poetas mas esses ainda complicam mais. Há os filósofos mas esses começam com duas perguntas e acabam com vinte e respostas nem vê-las. Há finalmente os cientistas que testam hipóteses, inventariam mecanismos, identificam moléculas, mapeiam regiões, mas também não conseguem passar do como ao porquê. Mesmo a vox pop patina nestes terrenos. Numa casa-de-banho do CCB alguém escreveu na porta poesia autêntica: «amar sem ser amado, é como limpar o cú sem ter cagado». Lamentavelmente também não explica nada porque a técnica dos contrastes aqui não funciona e, além disso, não me parece minimamente atraente concluir que amar e ser amado é como limpar o cú depois de ter cagado (perdão pelo abuso estilístico). Portanto, parece-me que estamos condenados à não explicação.
Mas.
Eu tenho quase trinta anos. E se há coisa que me ficou marcada a ferros é que o amor nunca cede à dúvida metódica. Podem investigar, mapear, identificar, manipular, testar. O resultado será sempre uma decepção. Amar é um mistério. E como todos os mistérios, não tem solução. A todas as mulheres que me perguntaram o que eu mais gostava nelas, eu respondia sempre: tudo o que tu és ao mesmo tempo. Não precisamos de analisar. Não precisamos de objectivar. Não precisamos de racionalizar. Porque a verdade, essa sim analítica, objectiva e racional, é que nunca saberemos tudo nem nunca precisaremos de saber tudo. Não vale a pena escondermos a cabeça debaixo da areia nem fazermos birras de meninos mimados. O importante é mesmo conservarmos em nós a vontade de sermos felizes. Para sempre.
PS. O que é ser feliz? E porquê para sempre? Queremos nós realmente ser felizes para sempre? Vêem como nos lixaram bem lixados? Nunca, mas mesmo nunca saberemos tudo…
terça-feira, 6 de outubro de 2009
Cartas de amor devolvidas
Hoje é apenas mais um dia de todos os dias. Mas os dias vulgares, os dias em que nada se parece passar, são sempre muito bons panos de fundo para homens vulgares como eu quando têm alguma coisa para dizer. Esta é uma carta de amor. A primeira depois de ter passado muito tempo no vale de sombras. E é uma carta de amor escrita para ti. Que pede para ser lida. Que pede para ser guardada. Que pede. Porque qualquer carta de amor, seja ela foleira ou sublime, tem voz activa e tem, imagina só, vontade. Sim, vontade. Aliás, uma vontade conformada pelas palavras que nos tocam, umas mais do que outras, que nos sopram, às vezes ao ouvido, que nos arrastam para um mundo feito de palácios e de jardins. Porque não dizê-lo, e riachos por onde escorrem manifestações da nossa loucura mansa. Ao fim e ao cabo, as várias metamorfoses do amor. E metamorfoses sempre muito enigmáticas mas, precisamente por isso, sempre decifráveis. A verdade é que este género epistolar sempre me fascinou. Eu sempre escrevi muitas cartas de amor. Quando era muito puto comprava daqueles cadernos com folhas azuis e verdes e cheirosas e, às vezes, com um ou outro motivo (normalmente um coraçãozinho ou dois passarinhos íntimos num ramo de uma vulgar árvore) aqui ou acolá, e punha-me a escrever e a escrever. Ah, pois, as cartas de amor que escrevo são longas. Às vezes insuportavelmente longas.
Divago.
Mas tinha de divagar para chegar onde queria chegar. A ti.
Desisto logo à partida de qualquer tentativa de verso. Prefiro a prosa. Conheço-a bem. Entendemo-nos melhor. E temos até alguma intimidade. Já o estilo, esse, podia seguir a tendência do vulgar e transcrever dois ou três poemas de amor bem escolhidos e, porque na verdade assim é, fazer um brilharete. Pessoalmente, prefiro deambular na circunstância. Aqui, sentado em frente do meu computador, ladeado por pilhas de livros e de papel. E umas sombras desenhadas nas paredes do meu quarto. E o cheiro do ramo de pinheiro que trouxe do Campo Grande para estudar os estróbilos. E a vontade de, por momentos, retomar velhos textos que jazem naquela gaveta. E é assim, deambulando que gosto de falar de amor. Do meu amor. Do nosso amor.
Eu não sei o que é o amor. Fica já dito. Nunca o vi. E, por isso, não sei defini-lo. No entanto, assumo a presunção de dizer que apenas sei que o amor é. Sim, o amor é. Neste caso, o amor és tu. Esse teu tudo ao mesmo tempo que incomoda a minha fisiologia e me faz tremer de desejo. Esse teu tudo ao mesmo tempo que é doce de amoras bravas e que, com descaramento, não tem qualquer problema em tornar-se na minha pele. Esse teu tudo ao mesmo tempo, único, sublime, cheio de vida e de formas, onde a linha curva é lei, como se escondesse em si uma simbólica homenagem ao universo curvo de Einstein. Esse teu tudo ao mesmo tempo que se entranha em mim e me faz estatelar docemente contra o céu. E que me tira o sono e a fome e me atira para um limbo existencial, às vezes sem saber muito bem o que fazer a seguir. Sim, esse teu tudo ao mesmo tempo. É o que eu irei sempre responder quando me perguntarem o que mais gosto em ti. Esse teu tudo ao mesmo tempo. Ai eu. Esse teu tudo ao mesmo tempo que me faz falta. OK, eu cedo. Um tudo ao mesmo tempo cheio de perfil de mulher e de pessoa que não se resigna à vontade de poder e que corre ao lado do tempo, sem medo do mais alto mar, sem medo do mais alto céu. Aliás, um tudo ao mesmo tempo que não tem qualquer pudor em olhar o céu e pensar, «A ovelha terá ou não comido a flor?».
Nunca ninguém lutou por quem eu sou. Eis a razão porque perdi sempre. E de todas essas vezes, poucas vezes, vezes demais, recomecei sempre. Às vezes penso, mantermo-nos juntos podia ser uma maneira de dizer: Recomeçamos. Não nos rendemos. Mas isso seria vermo-nos apenas como dois solitários que se tinham encontrado, que na própria solidão tinham uma coisa em comum e assim deixavam de ser solitários, porque se tinham um ao outro. Em certa medida até é verdade mas há ainda a nossa coesão interna que pede para ser inventada a cada impulso de tempo.
Meu amor:
Há uns anos atrás o Mia contou uma história à Clarinha sobre uma árvore curiosa. Os povos Tsonga do Sul de Moçambique consideram o canhoeiro (na língua deles, kanhi) uma árvore sagrada e costumam celebrar a festa dos primeiros frutos no início de Fevereiro de cada ano. Cada uma das famílias da vizinhança é rotativamente encarregada de preparar a festa e convidar os vizinhos. Bebe-se uma bebida fermentada a partir do fruto (que parece um pêssego pequeno e que é muito perfumado). Bebe-se, canta-se e dança-se muito durante três dias. E, segundo dizem os antropólogos, estes dias correspondem a uma certa restauração do caos. Pois bem, esta é uma bela metáfora para a tua entrada na minha vida. Num tempo em que eu julguei ter morrido de amor, esse teu tudo que és ao mesmo tempo e que eu não procurava nem esperava, fez-me beber, cantar e dançar muito, restaurando-me (na verdade, esse processo ainda se desenrola) o caos em que a minha vida se tinha tornado. E, com espanto, me fez voltar a dizer: amo-te. E talvez não imagines a gravidade de tudo isto porque talvez não imagines que nesse tempo em que julguei ter morrido de amor, morri mesmo. Não, não há aqui qualquer narcisismo. Este amor de que te falo tem a medida dos dois. Ah, esse Pablo Neruda, melhor do que ninguém, esclarece: «y por amor seré, serás, seremos». É isso mesmo. «Por amor seré, serás, seremos».
Todas as saudades e ainda mais beijos.
Do teu,